Imagem do filme "It's a Wonderful Life"
Da autoria da Helena Barreta
No dia seguinte ao meu filho ter nascido, recebi, entre outras, a visita do meu pai. Era o seu 6º neto e a primeira vez que ia à maternidade, por isso não estranhei quando no dia seguinte não apareceu. Perguntei por ele e todos disfarçaram, mudaram de assunto, fingiram não ter ouvido, no meio de tanta solicitação não toquei mais no assunto. Toda a família estava ali fisicamente, riam e estavam aparentemente felizes, era tudo para disfarçar, o pensamento, esse estava no meu pai. Aquela hora da visita pareceu-lhes, a todos, uma eternidade, voaram da maternidade directos ao hospital onde estava o meu pai, rodeado de médicos, exames, análises, tacs e tudo o mais para descobrir o que lhe tinha acontecido. O medo do que pudesse ser. Tinha passado dois anos desde o cancro no estômago, tinha passado dois anos de medo, inseguranças e o receio de que ele voltasse, apesar do médico garantir que não havia a mínima possibilidade disso acontecer. Não foi o cancro, foi o 1º AVC.
Quando saímos da maternidade, depois de quererem empatar-me, fazerem-se desentendidos, perante a minha vontade de querer ir em primeiro lugar a casa dos meus pais, não puderam mais esconder. Falaram vagamente em tonturas, desequilíbrios, problemas nos ouvidos, coisa pouca, não te preocupes, desvalorizaram. Mas o amor deve ser isto, eu sabia que não me estavam a contar tudo, eu sabia que me estavam a esconder a gravidade do problema. O meu pai aparentemente já estava bem, tinha recuperado e não tinha sequelas do acidente. Seguiram-se mais exames, mais buscas para tantas dúvidas, tantas perguntas, mas principalmente, tanto medo.
Passados 6 meses, em minha casa, durante a festa do baptismo do tira picos, era assim que o meu pai tratava os netos quando eram pequeninos, à vista de todos, o 2º AVC atacou-o, de novo o medo, a angústia da espera pelos resultados, as reuniões médicas, as opiniões. Cada vez mais a consciência de que ele nos estava a fugir. O amor que tinha pelo meu pai era proporcional ao medo e à dor de o ver assim. Pensar que o meu filho não iria ter o avô para o embalar, para lhe contar histórias, para ir à terra e para aprender tudo, e era tanto o que o meu pai tinha para dar, era ao mesmo tempo, um pensamento presente mas também longínquo. Mais uma vez o meu pai recuperou. E a esperança na intervenção cirúrgica fez-nos acreditar.
Mas um 3º AVC deitou tudo a perder, a operação foi adiada. Toda a família, mais do que nunca, estava unida pelo amor ao pai, ao avô, ao marido, ao sogro, todos com um só desejo, que o amor que sentíamos todos fosse mais forte e suficiente para afastar o perigo. Enganámo-nos.
Tinha o meu filho 8 meses quando o 4º AVC o derrubou, agora, de vez, para sempre.
No espaço de 8 meses fui mãe e fiquei sem pai. Nesse espaço de tempo vivi o melhor e o pior do amor.
O meu filho tem as mãos iguais às do avô, os dedos compridos, finos, mas fortes, mãos de artista, dizem. Eu confirmo. Lindas.
O João tem tantos anos quanto tenho saudades dele, são 17 anos de saudades, 17 anos de amor multiplicado por menos um.
Se o amor não fosse um lugar estranho, ainda hoje ele me ouvia dizer: AMO-TE PAI, MUITO.
Se o amor não fosse um lugar estranho, hoje daria mimos e receberia abraços apertados e beijos de 7 netos e 6 bisnetos.
O meu pai nasceu no dia 17 de Abril de 1925 e faleceu no dia 21 de Dezembro de 1992. Sim, era novo, muito novo.
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